A pirataria e o acesso ao conhecimento são temas de crescente relevância para a comunidade de TICs para o desenvolvimento. Enquanto novas leis de direitos autorais buscam acompanhar as constantes mudanças na produção cultural digital, restrições legais ao uso e distribuição de mídia, como a gestão dos direitos digitais, são capitaneadas por pesos pesados da indústria midiática global. Isto tem tornado mais densas as restrições ao consumo de mídia, repercutindo no acesso ao conhecimento e na disseminação de tecnologias da informação pelo mundo.
Um forte contraste entre o Sul e o Norte se reflete nas discrepâncias de detenção da propriedade intelectual (clique nesta imagem). A ampla concentração da propriedade intelectual nas mãos de ricos conglomerados de mídia no Norte define os parâmetros da discussão sobre a distribuição não-autorizada de produtos culturais.
Direitos autorais na Índia, Brasil, Estados Unidos e Rússia
Todos os argumentos sobre este debate, desde a linguagem utilizada para descrever os fatos até os meios para combatê-los, são estabelecidos pelos que acreditam ter mais a perder no processo – os detentores da propriedade intelectual e seus governos no Norte. Pela perspectiva deles, a “pirataria” não pode trazer nenhum benefício, por isto a predominância do termo moralmente carregado, que estranhamente associa a distribuição não-autorizada de mídia a saqueios em alto mar.
Segundo Lawrence Liang, do Fórum Alternative Law, precisamos “mudar o foco do que a pirataria é para o que ela faz.” Por exemplo, como a ampla disponibilidade de bens culturais pirateados influencia o acesso ao conhecimento e à produção cultural local do Sul do planeta? Há benefícios associados à pirataria? Pode-se considerá-la um setor econômico como qualquer outro, provedor de crescimento, emprego e inovação; ou seria ela uma responsabilidade econômica, como a indústria anti-pirataria gostaria que acreditássemos?
Para analisar o tema em maior profundidade, a Associação para o Progresso das Comunicações (APC) colabora com projetos parceiros na Índia, no Brasil, nos Estados Unidos e na Rússia para a elaboração de um estudo sobre pirataria midiática e o acesso ao conhecimento nos países em desenvolvimento.
Uma alternativa a estatísticas parciais
O ponto de partida desta pesquisa é a informação produzida pela Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA – International Intellectual Property Alliance), um grupo lobista composto por associações da indústria de direitos autorais dos EUA, cujo propósito é disponibilizar farta informação sobre a violação dos direitos autorais no mundo inteiro. A IIPA mantém laços estreitos com o escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR – United States Trade Representative), que se baseia na informação produzida pela IIPA para esboçar o seu relatório anual Especial 301, que lista os países em desenvolvimento considerados flagrantes violadores das leis de propriedade intelectual. Ao enquadrá-los como tal, o relatório pode ser utilizado como um instrumento para extrair concessões dos países em desenvolvimento durante as negociações comerciais.
Os parceiros do projeto esperam reformular o discurso sobre a pirataria ao proporcionar informação verificada e confiável que funcione como alternativa à produzida pela IIPA e acreditada pelo USTR.
A pesquisa se centra em quatro elementos principais: análise da produção de informação e sua utilização por grupos anti-pirataria como a IIPA e seus parceiros internacionais; análise da pirataria enquanto ramo econômico e infra-estrutura cultural, capaz de promover outras indústrias; a história organizativa e a influência da indústria anti-pirataria; e uma análise etnográfica do funcionamento da pirataria, de camelôs e laboratórios de cópia de DVDs à distribuição de arquivos entre pares (p2p).
À medida que o projeto for avançando no decorrer dos seus dois anos, a APC incorporará pontos de vista de movimentos que propõem uma alternativa aos rígidos marcos jurídicos dos direitos autorais, como o Creative Commons e a comunidade I-Commons.
De que formas mecanismos alternativos de licença podem ser aplicados com sucesso nos contextos dos países em desenvolvimento, ao invés de se importar os modelos restritivos e muitas vezes inaplicáveis dos países desenvolvidos?
Os parceiros do projeto almejam produzir um modelo de pesquisa que possa ser reaplicado em diversos países e regiões, ampliando ainda mais a discussão sobre este complexo conjunto de temas.
Image: Mapa-múndi de taxas de royalties © Copyright 2006 SASI Group (University of Sheffield) and Mark Newman (University of Michigan). http://www.worldmapper.org
Para comparar, ver o Mapa de População Aberta”:http://www.worldmapper.org/images/map2_pop_display.png